domingo, 5 de novembro de 2017

A locução "pessoa humana" é um pleonasmo vicioso?

         Essa locução constitui um pleonasmo, mas ele não é vicioso. O pleonasmo vicioso indica desconhecimento do sentido das palavras; quem fala em “breve alocução” parece desconhecer que alocução é um “discurso breve”. O mesmo ocorre em expressões como “elo de ligação”.
         O critério mais importante para considerar vicioso o pleonasmo é a ausência de efeito expressivo. Nesse tipo de construção, o acréscimo semântico em nada realça ou intensifica o sentido do outro termo.
         Pelo critério puramente semântico, “pessoa humana” seria um pleonasmo vicioso. Um dos sentidos de “pessoa”, conforme o dicionário, é o de ser “humano” (e poucos desconhecem isso. A prova de que não  desconhecem é a percepção de que nessa locução existe um pleonasmo)  
           Já pelo critério estilístico, o acréscimo do adjetivo “humano” tem um grande peso (o que não ocorre quando se acrescenta a “alocução” o adjetivo “breve”; ou, a elo, o atributo “de ligação”).
         Em “pessoa humana”, a humanidade da pessoa é reiterada para encarecer uma qualidade que essencialmente a caracteriza. Existe um tipo de pleonasmo cuja função é fazer isto sobretudo no plano material; é o “epíteto de natureza”, que aparece em locuções como “gelo frio”, “noite escura”, “cadáver mudo”. Ele nada tem de vicioso.
         O epíteto de natureza lembra o chamado “argumento de presença”, pelo qual se reitera o óbvio por considerá-lo às vezes esquecido. O argumento de presença é, no plano da argumentação, o que o epíteto de natureza é no plano semântico (ou, mais propriamente, estilístico). Enfatiza traços próprios, essenciais, que são por vezes negligenciados.
         É importante vez por outra lembrar que uma pessoa é humana, ou seja, que por sua humanidade ela se configura como tal. Nem todos têm sempre isso em mente. 

terça-feira, 6 de junho de 2017

A locução "tanto... quanto"

E-mail de Mário F.: “Professor, queria saber se esta frase está correta: ‘Uma caminhada longa é eficaz tanto quanto uma corrida’. Obrigado.” 
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   Está não. O problema se encontra no uso de “tanto quanto”, que aparece indevidamente no lugar de “como” (Uma caminhada longa é eficaz como uma corrida).

       Caso você queira quantificar o valor dos adjetivos, o par correlativo adequado é “tão... quanto” e seus membros devem vir separados: “Uma caminhada longa é tão eficaz quanto uma corrida.”

segunda-feira, 13 de março de 2017

Regência de "concordar" e "discordar"

E-mail de Vespasiano G.: “Professor, os verbos ‘concordar’ e discordar’ têm a mesma regência? É certo dizer que alguém discorda ‘com’ alguém ou alguma coisa? Obrigado.”
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Caro Vespasiano, “concordar” e “discordar” são transitivos indiretos mas introduzem complementos por meio de preposições diferentes.
Os prefixos que antecedem os radicais desses verbos (com, dis) já orientam quanto a isso; concorda-se “com” e discorda-se “de”.
      Deve-se então dizer: “Concordo com as medidas tomadas pelo governo” ou “Discordo das medidas tomadas pelo governo”.
          
      A ideia de “discordar com” é acessória; aparece para indicar que alguém não discorda sozinho de alguma coisa. Por exemplo: “Discordo com você das palavras do presidente sobre as mulheres.”

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A diferença entre "aprendizagem" e "aprendizado"

      E-mail de Ricardo G.: “Professor, o certo é ‘aprendizagem’ ou ‘aprendizado’? Agradeço o esclarecimento.”
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       Essas palavras são sinônimas, mas não possuem uma rigorosa equivalência semântica. Tende-se a usar “aprendizagem” em sentido geral; é a ação ou o resultado de aprender, conforme se vê no par “ensino-aprendizagem”.  
           “Aprendizado”, que é um particípio substantivado, parece dar mais ênfase ao processo e ter um maior grau de concretude (possui um componente emocional sugestivo de empenho, esforço). 
          Diz-se, por exemplo, que “a vida é um duro aprendizado”. Não caberia, nesse caso, dizer que ela é “uma dura aprendizagem”.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A grafia de "pronto atendimento"

      E-mail de Adauto F. de A. Neto: “Em ‘pronto atendimento’ existe ou não a necessidade de hífen? Obrigado.”
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         “Pronto atendimento” não tem hífen, mas deveria ter. No sentido de “unidade em que se presta assistência emergencial a doentes ou acidentados”, essa palavra não se distingue de “pronto-socorro”. É um composto, e não uma locução.
         Assim como se diz “Levou o amigo ao pronto-socorro”, diz-se “Levou o amigo ao pronto atendimento”. Esses vocábulos têm um sentido novo, não são meramente a soma dos seus componentes. “Pronto-socorro”, por exemplo, é o “hospital ou setor de um hospital onde se presta socorro médico de urgência” (Houaiss).
          As locuções são grupamentos de palavras nos quais cada uma preserva a sua autonomia. Nelas não aparece o hífen. Por exemplo: “Ele se feriu e precisa de um pronto atendimento.” Alguém que ouça isso pode responder: “Então leve-o, rápido,  ao pronto-atendimento.” 
          Incoerentemente, o Vocabulário Ortográfico não registra o hífen neste ultimo caso.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Concordância na voz passiva

         E-mail de C. Feliciano: “Professor, tenho uma dúvida a respeito de concordância. O certo seria: ‘Não são todos os dias em que se escreve cinco páginas’ ou ‘Não são todos os dias em que se escrevem cinco páginas’? A dúvida é sobre o verbo escrever. Agradeço o esclarecimento.”
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        Antes de responder sua pergunta, quero fazer um comentário sobre o “Não são... em que”. Nesse tipo de estrutura, o verbo “ser” não se flexiona nem o “que” vem antecedido de preposição; tem-se aí a expressão de realce “é que”, invariável. 
      A concordância correta é: “Não é todos os dias que se escrevem cinco páginas (o “é que” pode ser retirado: “Todos os dias não se escrevem cinco páginas”). O verbo “escrever” fica no plural por concordar com o sujeito “cinco páginas”, já que a oração está na voz passiva (Todos os dias cinco páginas não são escritas).
          Há controvérsia sobre essa concordância. Alguns defendem que o “se” indetermina, em vez de apassivar, o que levaria o verbo para a terceira pessoa do singular (se escreve). No entanto, se o texto é formal, deve-se respeitar a norma culta e fazer a concordância do verbo com o sujeito. 

sábado, 21 de janeiro de 2017

O que é o objeto indireto de interesse (dativo ético)

        E-mail de Emiliano P.: “Professor, como se classifica o pronome ‘me’ que aparece na frase ‘Não me abra esta porta’? Trata-se de um objeto indireto ou de um adjunto adnominal?”
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       Caro Emiliano, alguns classificam esse pronome como objeto indireto de interesse. Ele na verdade não exerce função sintática; corresponde ao chamado dativo ético, ou de proveito, e não passa de um expletivo (partícula de realce). Sua função é indicar que o emissor está vivamente interessado em que a ação se realize (ou não). Quando a mãe diz ao filho: “Não me suje essa roupa”, ela quer dar ênfase à proibição. O menino sabe que, se não obedecer, vai contrariá-la e pode levar umas palmadas.    
      Não se deve confundir o dativo ético com o objeto indireto de referência. Se alguém diz: “O sofrimento dos outros me é indiferente”, está relacionando o enunciado da oração à sua pessoa. Que dizer que, para ela, pouco importa a dor dos outros.
     Atenção para a ambiguidade que aparece numa frase como: “O mundo me é indiferente”. Isso pode significar que o mundo é indiferente para essa pessoa (ela é que manifesta indiferença pelo mundo) ou que o mundo é indiferente a essa pessoa (ela é objeto da indiferença do mundo). Neste último caso o pronome não é objeto indireto, e sim complemento nominal.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Ofertas que não dá (ou "não dão"?) para perder?

E-mail de Suzana F.: “Professor, vi na vitrine de uma loja a inscrição ‘Ofertas que não dá para perder’, O verbo dar pode ficar no singular? O correto não seria ‘dão’? Obrigada.”
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           Caro Suzana, o correto é mesmo “dá”. Há nesse anúncio um substantivo (ofertas) modificado por uma oração chamada adjetiva, que se inicia pelo conectivo “que” (pronome relativo).
          Esse conectivo, de fato, retoma “ofertas”, que está no plural. Mas “ofertas” não é sujeito do verbo “dar”, e sim objeto direto do verbo “perder” (o que não dá é “perder as ofertas”). Alguns chegam a cometer pleonasmo, reforçando o objeto com um pronome oblíquo: “Ofertas que é impossível perdê-las”.
          Suponha que, em vez de “dá”, aparecesse uma expressão equivalente (por exemplo: “é impossível”). Ninguém diria “ofertas que são impossíveis perder”, mas sim “ofertas que é impossível perder”.  
          Esquematizando a estrutura, temos: ofertas (as quais) -- não dá --          (para) perder (as quais, ou seja, perder as ofertas).
           Mesmo que se considere a oração iniciada pelo “que” como consecutiva, não se pode considerar “ofertas” como sujeito do verbo “dar”. O enunciado equivaleria a: “ofertas tais, tão boas, que perdê-las (sujeito) não dá.”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O que há de errado em "fazer uma colocação"?

   E-mail de Marisa L.: “Professor, o que há de gramaticalmente errado em dizer: ‘Quero fazer uma colocação’? Por que se critica tanto essa construção? Obrigada.”
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     Cara Marisa, não há nada de gramaticalmente errado em alguém dizer que querfazer uma colocação”. O problema é mais semântico.
Entre os sentidos de “colocação”, está o de “tomada (física) de posição”. É possível que esse significado tenha se estendido para uma “tomada de posição” no sentido intelectual, moral, ideológico; nesse caso, traduziria o modo de o indivíduo “se colocar” quanto a um tema polêmico.  Não é à toa que a expressão aparece muito nos debates políticos e nas discussões universitárias.

O problema é que a expressão, além de pomposa, é semanticamente pobre. O uso contínuo transformou-a num clichê que deve ser evitado em prol de sinônimos mais claros e expressivos. Por exemplo: “Quero manifestar minha opinião (ou ‘meu ponto de vista’)."


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Uso de "o mesmo"

         E-mail de Luciene S.: “Professor gostaria de saber se o emprego ‘o mesmo’ está correto nesta frase: ‘Encontrei ontem meu professor. O mesmo me disse que a prova seria antecipada para amanhã’. Obrigada.”  
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Cara Luciene, “o mesmonão deve usado em lugar de pronome pessoal. O recomendável em construções como essa é usar-se mesmoele” (e flexões): “Ele me disse que a prova seria antecipada para amanhã”.

O caso é diferente quando “o mesmo” retoma não um substantivo, mas uma oração. , sim, a língua aceita bem. Veja um exemplo: “Pedro alugou uma casa em Camboinha. O mesmo farei eu”. 

Enfim, “o mesmo” é bom português quando equivale a “a mesma coisa”. 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Sobre o emprego do gerúndio

E-mail do leitor Fábio: “Professor, em seu artigo sobre ‘gerundismo’ (http://www.chicoviana.com/escritos.php?id=738), o senhor afirma que se deve evitar o gerúndio com dois sujeitos.

          “Queria saber se o gerúndio está bem empregado nesses contextos: (a)‘As escolas devem, então transmitir valores de estima ao meio ambiente, mostrando que ações individuais são também vitais para a resolução da questão’; (b) ‘Porquanto, muitas pessoas buscam levar vantagem sempre, sem se importarem com o outro, acentuando a existência do individualismo...’”.
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         Caro Fábio, na frase (a) não existe problema com o emprego do gerúndio, pois o sujeito do verbo “mostrar” é o mesmo da oração anterior (as escolas): “...e mostrar que ações individuais...” ou “...para mostrar que ações individuais...”.  
         Em (b), contudo, há falha coesiva; o que acentua o individualismo não é o sujeito “muitas pessoas”, mas sim toda a informação dada nas orações anteriores. Para evitar o truncamento do enunciado, deve-se dizer: “Isso acentua o individualismo...” ou “o que acentua o individualismo...”.