quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Sobre o vocábulo "mais"

    

    

    Alô, professor Chico! Meu professor de português disse que “mais” jamais poderia ser pronome indefinido. É sempre advérbio de intensidade. Isso contraria o que vi em mais de uma gramática, então gostaria do seu posicionamento sobre o assunto. 

Atenciosamente, 

Walter B. Lins

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    Alô, Walter. Isso não é verdade. “Mais” pode, sim, ser pronome indefinido; nesse caso, aparece modificando substantivo. Veja dois exemplos que atestam as diferentes classificações: 

1. “Depois da cirurgia de catarata, passei a ver mais.” 

2. “Aos domingos vejo mais pessoas no cinema, em relação às poucas que vejo nos dias de semana.”

Em 1, “mais” intensifica o valor do verbo; é, pois, advérbio de intensidade. Em 2, ele quantifica o sentido  do substantivo “pessoas”. Nesse caso, opõe-se a "menos", “poucas”, e se classifica como pronome indefinido. 

    Abraço! 

sábado, 11 de novembro de 2023

 


Do amigo, professor e escritor João Batista B. de Brito recebi o texto abaixo, a que respondo em seguida:

 

Oi, Chico, bom dia.

Vez ou outra me ocorrem questões de gramática que me incomodam, e então, fico com vontade de partilhar com você, que é o nosso guardião competente e incansável da língua culta.

Uma delas é a seguinte. De uns tempos pra cá, venho notando como as pessoas andam engolindo as preposições em certa construção frasal, isto de uma forma quase sistemática.

Veja bem. Todo mundo diz, por exemplo, “gosto do filme”, mas, ao mudar a construção usando o relativo “que”, fica assim: “o filme que gosto”. Idem para: “O caso que me referi”, “A pessoa que falei”, etc, etc, etc... E esse uso não vem ocorrendo só entre pessoas simples, mas entre gente chique (até locutores e repórteres já ouvi falando assim). E o fato ocorre tanto em nível oral, como na escrita, principalmente na escrita eletrônica.

Na verdade, o desaparecimento da preposição nesse tipo de estrutura sintática é tão genérico que fico me indagando se não seria o caso de se pensar em “normalizar” esse uso, talvez – quem sabe? – aceitando-o na língua culta como alternativo.

Gostaria de ter uma opinião sua sobre a questão. Se pudesse ser na sua página do Facebook, melhor ainda, pois o problema pode interessar a outras pessoas, inclusive a seus alunos. Abraço grande de seu amigo e admirador.

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Alô, João! Grato pelo “guardião competente e incansável da língua culta”. Digamos que me esforço para fazer a garotada seguir a língua-padrão rsrs. 

Por sinal, as construções que você aponta constituem um tipo de infração a ela. A cartilha do Enem, por exemplo, é clara quanto a isso; os pronomes relativos devem, se for o caso, vir antecedidos das preposições que marcam a regência verbal.

Não posso dizer, por exemplo, “Os livros que gosto são os de aventura”, pois o verbo “gostar” é transitivo indireto. 

Mas o fato é que, por desconhecimento da regência ou pela lei do menor esforço, tem havido muito desrespeito a essa recomendação — inclusive no nível culto. 

Possivelmente com o tempo (já que língua é uso), a preposição deixará de aparecer. Enquanto isso não ocorre, ela deve constar caso se exija o emprego do registro formal. 

No discurso coloquial, informal, a liberdade é maior. Não é raro em textos publicitários, que tendem a privilegiar o tom coloquial, a gente ler frases como: “A solução que você precisa”. Convenhamos em que ela soa melhor e tem mais apelo do que o claudicante “de que você precisa”. 

Grande abraço! A admiração é recíproca. 

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Uso de "o mesmo"



Professor, na frase: "Ontem encontrei um velho amigo, e o mesmo me disse que não se casou", está correto o uso de 'o mesmo'"? L.T.

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Não está. "Mesmo" (e flexões) não é pronome pessoal. Aparece como adjetivo (“Lê sempre o mesmo livro”), substantivo (“Na semana anterior, tinha ocorrido o mesmo com ele”) e pronome de valor demonstrativo (“Ele não muda; é sempre o mesmo de outros carnavais”). Não sendo pronome pessoal, "mesmo" (e flexões) não equivale às formas “ele”, “ela”, “eles” “elas”. 




terça-feira, 5 de setembro de 2023

 

O leitor L. quer saber como diferenciar o ‘porque’ explicativo do ‘porque’ causal.  

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Caro L., às vezes fica mesmo difícil distinguir um conectivo do outro. Duas dicas podem ajudar:

1 – Quando ocorre oração explicativa, o verbo da oração inicial (não se fala em “oração principal” na coordenação) está geralmente no imperativo. Exemplo: “Respeite a lei, porque isso lhe trará tranquilidade.”

Se faço um apelo a que o indivíduo respeite a lei, ele ainda não a respeitou; logo, a oração seguinte não pode constituir a causa de uma ação não realizada.

2 – Caso o verbo da anterior não esteja no imperativo, é preciso observar se a oração iniciada pela conjunção constitui efetivamente uma causa do que está expresso na oração principal – ou se não se trata, simplesmente, de uma explicação para o que foi dito.

Se digo, por exemplo, “Choveu, porque as ruas estão encharcadas”, é claro que o encharcamento das ruas não pode ser causa da chuva. 

Primeiro, porque esse encharcamento seria posterior à ação de chover (e toda causa, como se sabe, antecede a consequência); segundo, porque outro motivo pode ter determinado o alagamento dessas vias – como, por exemplo, o transbordamento de um rio ou o rompimento do tanque de um caminhão-pipa.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Confusão entre "guarita" e "guarida"

 

“O que é bom para a população nem sempre encontra guarita por parte dos governantes”

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          Na passagem acima, o aluno empregou erradamente a palavra “guarita”.

          Confundiu-a com o seu parônimo “guarida”, que significa “abrigo, covil de animais selvagens” – e, metaforicamente, “acolhimento”. Ele queria dizer que os governantes nem sempre acolhem aquilo que interessa à população.

         “Guarita”, vocábulo mais comum, é uma pequena construção destinada a abrigar, vigias, sentinelas e agentes de segurança.

sábado, 12 de agosto de 2023

Sobre o plural de "refrão" e a pronúncia de "refolhos"

         

        A leitora D. Pinheiro envia-nos e-mail com duas perguntas. A primeira é sobre o plural de “refrão”; ela quer saber se o correto é “refrõesourefrãos”.  A segunda é quanto à pronúncia do primeiro “o” em “refolhos” (plural de “refolho”).

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Cara leitora, “refrão” admite dois plurais: refrãos e refrães. Embora seja comum à maioria das palavras que terminam em “ão”, a terminação “ões” não aparece no plural desse vocábulo. 

“Refolho” significa “dobra, folho sobreposto a outro”. Metaforicamente, quer dizerfingimento, dissimulação”. Segundo Napoleão Mendes de Almeida, em seuDicionário de Questões Vernáculas”, seu plural é com o “o” fechado /refôlhos/.

Usada no plural, “refolhos” tem ainda o sentido de “as partes mais profundas, mais secretas da alma”.

Até a próxima.  


quinta-feira, 29 de junho de 2023

Sobre "mula sem cabeça"


Professor, tenho uma dúvida. A palavra "mula sem cabeça" é uma locução substantiva? Então é sem hífen, correto? (LA)

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"Mula sem cabeça" é um composto, não uma locução. O sentido global dessa palavra é distinto do sentido das suas partes (não se trata de uma mula a que falte a cabeça, mas sim de um personagem do folclore). Como esse composto tem vocábulo de ligação (a preposição “sem”), não é mais escrito com hífen.